Belo começo não é? Prende a atenção do leitor já na primeira linha, primeiro parágrafo.
É um soco no estômago.
Imagine então quando o incauto leitor descobre que o velho canalha não é ninguém menos que o Velho Papai Noel? Sim o bom velhinho está preso no porão de uma velha casa – onde mais poderia acontecer uma cena clichê de tamanha crueldade que numa casa velha?
Lá está o Bom Velhinho amarrado e amordaçado – o que explica a dezarrazoada pergunta do outro personagem – preso a uma cadeira de balanço. Seu saco de presentes está vazio e todas as bugigangas que continha nele está espalhada pelo chão.
A roupa vermelha do ancião está manchada, de suor e sangue.
- Pelo visto a sova que lhe dei ainda não foi o suficiente velho safado!
O revoltado personagem descarrega todo o seu ódio e frustração de outros natais no velho que de tão moído, já não solta um ai. Seguem-se vários minutos de estrema e brutal violência, que não carece de ser descrita aqui e agora.
Segue que após tão severo tratamento o velho ator morre.
Não chore altivo leitor, não chore, seja forte, ainda tem mais pela frente!
Sim velho e ator, pois quem em sã consciência acreditaria que esse defunto seria de fato o Papai Noel?
Somente um doido, um louco, uma pessoa sofrida que traz n’alma cicatrizes de antigos e tristes natais. Imagino-a com um pobre órfão, daqueles na noite de natal olha pelas janelas das casas e vê mesas fartas, crianças felizes com seus brinquedos e doces, homens roendo pernas de perus, encharcando-se com vinhos e cervejas, as madames vestidas com roupas novas e caras, e ele ali, infeliz e solitário...
Divago, sei que divago, mas sigamos...
Mais desgraçado seria se vivesse no hemisfério norte, com frio, neve e a certeza da pneumonia no dia seguinte.
Morto, só mais um anônimo no obituário.
Mas voltemos ao drama...
Decepcionado, ele volta à rua.
- Hei de encontrá-lo velho, hei! – sacode as mãos aos céus como se fora uma Scalet O’Hara jurando nunca mais passar fome. Como um possesso sai à caça.
E ele empurra as pessoas à sua frente, não respeita ninguém, mulheres têm suas sacolas jogadas ao chão e chutadas para longe, crianças choram com medo quando ele as empurra, não respeitando cegos, velhos e cachorros.
Mas, como num filme B, ele estaca de repente (como só se costuma estacar, diga-se de passagem) e ouve um débil badalar - imaginem-no colocando as mãos em concha para escutar melhor - badalar de sino pequeno, talvez um sino do...
Pensou o querido leitor no Exército de Salvação?
Pois pensou muito bem, vejo que o leitor é muito astuto, agudo e deve ser leitor de Charles Dickens, com esse velho e amargurado escriba.
Mas sigamos com o drama burlesco.
E ao dobrar a esquina ele vê mais um velho vestido com as cores vermelha e branco, o rosto corado de sol (ou álcool, mas não cabe a mim, velho escriba julgar) ornado de branca barba como um bedel tocando seu sino.
O velhinho sorri ho-ho-hos sacudindo a pança (a única parte real de sua fantasia) e com as mãos estendidas, pede dinheiro aos passantes.
Poderia descrever com pormenores a violência que se seguiu, mas o nobre leitor, conhecedor de romances ingleses do século dezenove pode ter uma vaga ideia do se seguiu.
Só quero deixar claro que os acontecimentos desse dia deixou e deixará marcas profundas na psique das criancinhas que testemunharam tal bestialidade descabida.
Quanto dinheiro será gasto em psicanálise, terapias, me pergunto ainda se tudo isso não servirá de semente para novos psicopatas com fobias natalinas?
Mas sigamos...
O homem foi apanhado por populares, linchado, tendo conseguido, no dia seguinte, a primeira página num jornal sensacionalista do bairro, que abusando de certa fome de escândalo muito mal disfarçada anunciava em letras garrafais (ou caixa alta?) a seguinte manchete.
PRESO O TARADO DO NATAL – PAPAIS NOÉIS JÁ PODEM ESPERAR PELO NATAL EM PAZ! (Usando ponto de exclamação, como se fora uma gazeta dos anos quarenta...) Polícia procura por mais corpos...
Termino essa narrativa com a imagem da primeira página do tabloide, que em fade-out, como num daqueles filmes bem “Bs” mesmo, vai apagando devagar até chegar a palavra...
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