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Um louco: alice bispo

  • Foto do escritor: Cafe e outras Palavras
    Cafe e outras Palavras
  • 23 de mai. de 2019
  • 2 min de leitura

Atualizado: 27 de mai. de 2019



Por Alice Bispo

Tudo o que se sabe é que ele é louco.

Não é uma surpresa, um acontecimento ou qualquer alarme.

Ele é louco.

Ele é motivo de piada, mas também de curiosidade. Quando a loucura o atingiu, quando ele se virou e não viu a si mesmo no reflexo do carro; quando sua vida perdeu peso e ele se tornou vazio, estreito, como um beco, aí ele determinou loucura. Quem perde a vontade de viver, ou é suicida ou é louco.

Suicida é depressão ou solidão.

Ele não é depressivo nem solitário.

Apenas assumiu sua carcaça: louco de pedra.

Um louco chora.

Um louco ri.

Um louco viaja sem dinheiro.

Um louco pede carona.

Vende sua casa.

Um louco come na rua.

Um louco não tem emprego.

Um louco não tem responsabilidades.

Não tem horário, não tem afazeres domésticos. Não tem de se lavar todos os dias. Ele não come o que quer, mas não reclama. Ele se embebeda na segunda-feira. Não tem desculpas e nem atrasos.

E vive na praia.

Um louco se acha muito feliz.

Ele encara todos os sãos e os cumprimenta.

Ele dá sorrisos, avisos, conselhos. Os sãos se afastam com medo da loucura. Os solidários se aproximam cheios de saberes que os loucos descartam. Na verdade, um louco tem seus próprios amigos: a indiferença, a vida e a vontade de viver. Não tem sofrimento, porque não tem tempo pra sofrer. Tem tempo pra aprender, pra gastar, pra dormir e pra beber. Pra fumar, a maioria. Os loucos são facilmente reconhecidos, enlatados, descartados e coagidos.

A quê?

A voltarem à sanidade.

Aos vidros.

Aos espectros.

Aos dilemas, aos sonhos, às vitórias, às linhas. As lentes focam em seu mau cheiro, em seu cabelo, em suas unhas sujas. As lentes pegam as drogas, a prostituição. Preservam o louco doido.

Mas um louco sabe que não é doido.

Não é burro.

E eles insistem na superfície. E o louco ri, porque ele ri. Chora, gargalha, fica bebaço.

E dorme.

Mas nós, os sãos, sabemos que eles não são loucos. São uns vagabundos, não é isso? São uns hippies. Dizemos que são limitados às ruas por desistirem dos tetos. Que são preguiçosos por não trabalharem pros outros. Dizemos que suas vidas são insignificantes. Que eles atrapalham a beleza da cidade.

São uns merdas.

E a nossa raiva aumenta. A nossa alma se infla de arrogância e orgulho. A gente vive. E eles sobrevivem.

Espero que ele se recupere. Volte à vida. Pare de falar de amor e de paz. Precisa mesmo é de dinheiro. Ou acha que comerá como? Vive se humilhando por migalhas pisadas. Quando ele voltar à vida, às responsabilidades, aos chefes, a beber só nos sábados, aí sim será feliz.

Muito feliz.

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