Zulmira morreu, e agora?: roberto prado
- Cafe e outras Palavras
- 30 de abr. de 2020
- 2 min de leitura

Toca o telefone tarde noite, lá pelas três e meia da madrugada. Evaldo tonto de sono, tropeçando nos móveis vai até a sala atender:
-Alô?
-Evaldo?
-Sim, sou eu! - rosna ao reconhecer a voz de Timóteo, amante de sua ex-mulher - O que você quer a essa hora?
-Evaldo... a Mira morreu!
Silêncio.
Evaldo respira fundo, procura o maço de cigarros no bolso. Está só de cueca, não há bolsos nem tão pouco cigarros. Tremendo procura um apoio na parede.
Respira fundo e recomeça a falar:
-Como aconteceu?
-Não sei. Quando acordei ela estava dura ao meu lado na cama.
-Estou indo para aí. Não faça nada até eu chegar.
-Evaldo - quase chorando - Nós estamos num hotel.
-Me dê o endereço do hotel, logo chego aí.
-Evaldo - agora chorando - O hotel fica em Portugal...
-O que vocês estão fazendo em Portugal? - Histérico começa a socar as paredes enquanto começa a chorar. - O que vocês estão fazendo em Portugal? Levei quarenta e cinco anos para conhecer Portugal e você com dezenove anos está aí com a minha mulher... - interrompido por Timóteo.
-Ex-mulher Evaldo, ex-mulher! Ela falou que você estava concordando com o divórcio... - agora interrompido por Evaldo.
-Eu nunca iria concordar com esse divórcio, nunca, entendeu bem? Eu amava a Mira, amava... - interrompido por Timóteo.
-Escute Evaldo, escute o que eu tenho a lhe dizer.
Do outro lado da linha ainda dá para ouvir o choro de Evaldo, o nariz escorrendo, e os socos que ele continua dando nas paredes.
Suspiro.
-Está bem, pode falar Timóteo. Seja breve.
Timóteo pigarreia, tosse, por alguns segundos tamborila o fone com os dedos, tosse de novo e fala:
-Evaldo, agora que ela morreu, acho que podemos dividir a grana dela, o que você acha?
Evaldo, espantado, olha o telefone como se quisesse ver Timóteo do outro lado da linha. Se pergunta como um boyzinho desses, recém saído das fraudas poderia lhe fazer uma proposta dessas? Já não bastava a vergonha que ele passou quando Mira fugiu com ele? Não bastava a vergonha diante dos filhos, afinal Timóteo estava na mesma classe que o seu filho mais velho? Não bastava ele Evaldo, ter que sustentar a ex-mulher, fazer-lhe a feira toda semana. Pagar o supermercado? Suprema vergonha, pagar as roupas que Timóteo usava e ele agora queria dividir a sua herança?
Não! Evaldo desligou o telefone, voltou ao seu quarto, revirou as gavetas do guarda-roupa até encontrar a escopeta. Carregou-a, vestiu-se e pensou como mataria Timóteo quando chegasse a Portugal.
Enquanto descia as escadas murmurava:
-Essa herança é minha, só minha...
Em Portugal já era inverno...
Não uma há situação trágico-ridícula em que não haja uma pitada de amor...
R. Fedler.
Tragicômico como os dias, da dita, vida real...
Sois cômico-trágico de um humor ácido & amargo.
Parabéns Ó Escriba!
O. Porto-Seguro